No dia 27 de junho participei como palestrante do 18º Congresso de Stress da ISMA-BR, 20º Fórum Internacional de Qualidade de Vida no Trabalho, 10º Encontro Nacional de Qualidade de Vida na Segurança Pública, 10º Encontro Nacional de Qualidade de Vida no Serviço Público e 6º Encontro Nacional de Responsabilidade Social e Sustentabilidade, promovido pela International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR). Fui convidada por Marcos Bliacheris, um dos coordenadores, especializado em direito do Estado, advogado da União/AGU e autor de artigos sobre sustentabilidade e inclusão de pessoas com deficiência. A mediação foi do jornalista Léo Gerchmann. Entre inúmeros temas, o encontro falou de vida, trabalho, stress e saúde. Coube a nós falar sobre inclusão. Publico aqui a minha fala. Antes uma frase do escritor judeu ucraniano Vassili Grossman (1905-1964), citada por Marcos: “Tudo o que vive é único”.
Conversando sobre Inclusão
Quantos de vocês convivem ou já conviveram com pessoas que têm nanismo? Ou com pessoas que têm outra deficiência, se é que podemos chamar assim? O que sabem dessas pessoas? O que sentem ao encontrá-las? Pena, admiração, curiosidade, rejeição, solidariedade, espanto, medo? Vontade de rir? Vontade de brincar?
Para falar sobre inclusão não podemos fugir desse enfrentamento, dos sentimentos que afloram. É necessário olhar o preconceito de frente, porque existe e discrimina sem piedade. E todos queremos acolhimento. Por isso, falar sobre a diferença, encarando a fragilidade da condição humana me parece a melhor maneira de saudar a diversidade.
Falem. Não tenham medo do impacto das palavras. Encarem o preconceito que todos carregamos. Mas, especialmente, ouçam o que as pessoas diferentes têm a dizer sobre os males da discriminação. Só assim teremos condições de atravessar o fantasma cruel da exclusão. Historicamente, a sociedade reserva um lugar para as pessoas que fogem do padrão de normalidade instituído, como se fossem incapazes. Nesse lugar, os diferentes não desafiam a ordem e não desacomodam conceitos e pré-conceitos. Só a fala, com atitude, vai nos tirar da invisibilidade.
Agradeço, portanto, ao Marcos Bliacheris e aos organizadores deste evento por mais uma oportunidade de Conversar sobre Inclusão. Refletir coletivamente sobre questões relacionadas ao cotidiano de pessoas que, como eu, têm uma diferença. Diferença que limita a inserção social e, por decorrência, a inserção no campo do trabalho, por conta de uma sociedade linear, que não está preparada para perceber e aceitar o outro na sua condição.
Falar sobre as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com nanismo, a partir da perspectiva da acessibilidade e da inclusão, ampliou meus horizontes. Entendi que era preciso desacomodar conceitos clássicos, já enraizados, e apontar para uma sociedade como soma de diferenças e não de pessoas hipoteticamente iguais, potencializando um debate para mudar a realidade.
Para além da eliminação de barreiras físicas, inclusão é cidadania, direito social, independência, capacidade de olhar o outro e acolher, “porque o olhar nunca termina de aprender a ver”, como escreveu a psicanalista Diana Corso. Portanto, não acomodem seus olhares! Aprendam a ver, a olhar com olhos livres.
Ao ignorar, excluir ou rotular uma pessoa, tomamos o caminho mais fácil e mais curto para a anulação do humano, do caráter criativo e inusitado dos indivíduos, suas múltiplas possibilidades e capacidades. E é esse não querer ver, não querer falar, que alimenta a intolerância em todos os níveis. Não reagir aos discursos já dados, que segregam, é concordar com o preconceito.
A mudança só surge no momento em que há reação, em que as margens são extrapoladas. É quando a diferença fala mais alto e a sociedade obriga-se a lidar com o que não sabe, não quer saber e não quer ver. Já não está mais diante do estereótipo, mas da pessoa real, de carne e osso, com sentimentos, contradições e a sua deficiência. A desordem aparece, desarticulando a frágil perfeição da ordem social.
Cabe a nós seguir subvertendo essa ordem. Recusar os lugares determinados. Alertar e sensibilizar a população e os gestores públicos para as limitações das pessoas é um compromisso, assim como é um direito reivindicar políticas que priorizem a inclusão e a acessibilidade.
Cabe aos educadores educar para a diversidade e estimular a inserção. acredito que uma educação voltada para a diferença é o melhor caminho, em casa e na escola. Uma educação libertadora passa inevitavelmente pela simplicidade, jamais pelo extraordinário. Passa pelo afeto, pelo acolhimento, pelo diálogo, pela segurança, pela verdade.
Cabe aos governos criar políticas públicas de inclusão. Repensar a diferença no sentido de não mais ignorar ou mascarar as dificuldades é um dever das administrações municipais, estaduais e federais, em sintonia com suas comunidades. Considero vital fazer com que a sociedade entenda as múltiplas possibilidades que as diferenças trazem, fora dos discursos instituídos, ultrapassados e redutores.
Cabe às empresas entender os limites de uma pessoa com deficiência, facilitar sua inserção no trabalho, o convívio com a equipe e não apenas jogá-la em uma função qualquer para cumprir a lei.
As instituições (públicas, privadas ou independentes), incapazes de sair do convencional, se enredam em normas na tentativa de facilitar um cotidiano que desconhecem. Desperdiçam a maravilhosa chance de conviver e aprender com uma pessoa diferente, ouvindo dela o que ela precisa. Por acomodação e desconhecimento, perdem a chance de entender a diversidade, inventar, reinventar, facilitar, quebrar rotinas. Evoluir.
Cabe à imprensa sair do discurso da superação porque não se trata de superar. Trata-se de viver com a deficiência da melhor maneira possível.
Insisto: o preconceito não se resolve apenas com leis, normas e equipamentos. Necessitamos de olhares sensíveis e humanos, que reconheçam, entendam e acolham a nossa diferença. Só assim construiremos relações mais humanas, agregadoras, libertárias, fundamentais para o crescimento pessoal e profissional.
Para além da condição física e intelectual, da profissão, da eliminação de barreiras físicas, acessibilidade é direito social. Inclusão é cidadania. Acolher não é favor. É perceber o que o outro precisa. É se abrir para outras capacidades. É estar atento para entender os limites, orientar e exigir.
Nestes tempos permissivos, em que tudo pode ser dito e tudo pode ser feito, em que o bullying está no centro da cena, há que se dar limites para a insanidade humana, encarando toda a atitude que segrega, ofende, humilha. Quem disse que não é possível?
Ver o outro para além de qualquer condição, com sensibilidade e respeito, é transformador. Não podemos dar lugar ao desejo da invisibilidade como fuga das agressões preconceituosas. Responder naturalmente à curiosidade, sem alimentar medos, fantasias, intolerância, ou o que seja, é o princípio da visibilidade que traz a cidadania. Afinal, de um jeito ou de outro, todos buscamos respostas para o que desconhecemos e queremos ser incluídos.